Os elementos racionais e irracionais do colonialismo interno em Casanova, Stavenhagen, Fals Borda e Elias1

Los elementos racionales e irracionales del colonialismo interno en Casanova, Stavenhagen, Fals Borda y Elias

The rational and irrational elements of internal colonialism in Casanova, Stavenhagen, Fals Borda and Elias

 

Fecha de recepción: 17 de mayo de 2022 / Fecha de aprobación: 10 agosto de 2022

 

Maria José de Rezende2

 

Resumo

Decifrar os elementos racionais e irracionais, mantenedores do colonialismo interno, auxilia na compreensão das muitas dimensões das desigualdades. Sentimentos de superioridade, ímpetos de subjugação, preconceitos, discriminações e impulsos de aniquilamento de grupos étnicos e raciais inteiros, a rigor, ajudam a perpetuar diversas formas de exclusão material e imaterial.

As demandas e as aspirações de alguns grupos étnicos e raciais impedidos, há séculos, de participar efetivamente da vida pública, têm sido abafadas conforme demonstram os escritos de Casanova, Stavenhagen e Fals Borda.

Parte-se do pressuposto de que os impedimentos são oriundos não somente dos elementos racionais, assentados em cálculos e interesses sobre os ganhos (econômicos e políticos) advindos dos óbices criados em relação a determinados segmentos, mas também dos irracionais (medos, ódios, repulsas, desprezos etc.). A perspectiva psicossocial de Norbert Elias será mobilizada para a análise dos aspectos irracionais mantenedores do colonialismo interno concebido pelos três autores latino-americanos.

 

Palavras-chaves: Colonialismo interno, racionalidades, irracionalidades, traços psicossociais.

 

Resumen

Descifrar los elementos racionales e irracionales, mantenedores del colonialismo interno, ayuda a comprender las múltiples dimensiones de las desigualdades. Los sentimientos de superioridad, los impulsos de subyugación, los prejuicios, las discriminaciones y los impulsos de aniquilación de grupos étnicos y raciales enteros, en sentido estricto, contribuyen a perpetuar diversas formas de exclusión material e inmaterial.

Las reivindicaciones y aspiraciones de algunos grupos étnicos y raciales, a los que se les ha impedido durante siglos participar de forma efectiva en la vida pública, han sido sofocadas como demuestran los escritos de Casanova, Stavenhagen y Fals Borda.

Se supone que los impedimentos no provienen sólo de elementos racionales, basados en cálculos e intereses sobre las ganancias (económicas y políticas) que se derivan de los obstáculos creados en relación con determinados segmentos, sino también de elementos irracionales (miedos, odios, repulsión, desprecio, etc.). La perspectiva psicosocial de Norbert Elias será movilizada para el análisis de los aspectos irracionales que mantienen el colonialismo interno concebido por los tres autores latinoamericanos.

Palabras clave: Colonialismo interno, racionalidades, irracionalidades, rasgos psicosociales.

 

Abstract

Deciphering the rational and irrational elements that maintain internal colonialism helps to understand the many dimensions of inequalities. Feelings of superiority, impulses of subjugation, prejudice, discrimination, and impulses to annihilate entire ethnic and racial groups, strictly speaking, help to perpetuate various forms of material and immaterial exclusion.

The demands and aspirations of some ethnic and racial groups that have been prevented, for centuries, from participating effectively in public life, have been stifled as shown by the writings of Casanova, Stavenhagen and Fals Borda.

It is assumed that the impediments come not only from rational elements, based on calculations and interests on the gains (economic and political) arising from the obstacles created in relation to certain segments, but also from the irrational ones (fears, hatreds, repulsions), contempt, etc.). Norbert Elias’ psychosocial perspective will be mobilized for the analysis of the irrational aspects that maintain the internal colonialism conceived by the three Latin American authors.

Keywords: Internal colonialism, rationalities, irrationalities, psychosocial traits.

 

 

Introdução

O colonialismo externo e interno são fenômenos aparentados, porém, distintos. Os dois têm deixado marcas profundas no tecido social que compõe a América Latina. Muitas reflexões foram feitas ao longo do século XX e no limiar do XXI sobre o primeiro. As análises que contemplaram o segundo são mais exíguas, já que debruçar sobre tal fenômeno exige rompimento com as perspectivas, as percepções, as expectativas, os saberes e os conhecimentos que se desviam dos elementos que definem, acuradamente, as singularidades daquilo que somos como organização social e que, muitas vezes, temos necessidade de proclamar uma não-vinculação com os grupos étnicos prevalecentes no continente, sejam eles indígenas ou negros.

O colonialismo interno, entendido como um processo construído ao longo de séculos nos países latino-americanos, impregnou-se, como uma marca indelével, nas diversas esferas sociais, econômicas, políticas e culturais. Pablo Gonzáles Casanova, Rodolfo Stavenhagen e Orlando Fals Borda cada um a seu modo e orientado por epistemes e perspectivas políticas distintas demonstraram o quanto esse fenômeno foi subtraindo as possibilidades de superação da pobreza, da miserabilidade, das desigualdades, dos desequilíbrios de poder e dos desprezos aos excluídos de modo geral, que representam uma parte expressiva de habitantes em largas extensões territoriais do continente.

O colonialismo externo bem como o interno podem ser estudados através de elementos tanto racionais quanto irracionais. Os racionais são aqueles que se medem por uma calculabilidade material e imaterial assentada em lucros, exploração de recursos naturais, destruição de modos de vida originários (dos indígenas, por exemplo), qualificação ou desqualificação de saberes e conhecimentos, imposições de formas de consumo, de produção econômica, de manejo de tecnologias de toda natureza, entre outros elementos. Os fatores irracionais (ou emocionais) têm naturezas distintas, mas não menos importantes para possibilitar o entendimento dos processos coloniais, uma vez que eles moldam emocionalmente as pessoas. Quais seriam suas formas de manifestação?

Compõem os aspectos emocionais os medos diversos, os sentimentos persistentes de superioridade e de vingança, os desejos de subjugação do outro, os preconceitos, as discriminações, os ódios étnicos e raciais, a aversão a alguns grupos sociais, os rompantes de recalcar o sentimento de inferioridade em alguns grupos, a obsessão por manter povos inteiros na condição de exclusão social, educacional e política, a obstinação em afastar grupos específicos de qualquer possibilidade de convivência em certos espaços sociais ou institucionais, a motivação exacerbada para evitar contatos com segmentos sociais ou étnico-raciais dentro de uma mesma territorialidade, os impulsos de rejeição de alguns grupos identitários, os ímpetos de rechaçamento, afastamento ou invisibilização de indivíduos e grupos, entre outros aspectos.

O objeto deste estudo são os constructos emocionais que ajudam a sustentar as práticas reforçadoras do colonialismo interno estudado pelos cientistas Pablo Gonzáles Casanova, Rodolfo Stavenhagen e Orlando Fals Borda. Parte-se do pressuposto de que tais modelos mentais têm eternizado e renovado, seguidamente, as condições reforçadoras do colonialismo interno, constituinte e constituído de uma maneira de estar no mundo3 que têm contribuído, sobremaneira, para a renovação das condições garantidoras da manutenção de lógicas configuracionais (Estado e instituições políticas diversas, organizações econômicas e educacionais, associações diversas, entre outras) empenhadas em sustentar ações, práticas e procedimentos que dão sobrevida a toda forma de violência e exclusão.

Privilegiaram-se estes três pensadores porque eles sistematizaram os elementos possibilitadores de uma compreensão profunda dos aspectos racionais e irracionais (ou emocionais) que eternizam as práticas sociais denominadas colonialistas internas. Acredita-se ser possível encontrar, em seus escritos, informações sobre os elementos irracionais que servem de escoras para a permanência de práticas coloniais interiorizadas no âmago da vida social de cada país da América Latina, ao longo de um processo histórico ampliado.

Considera-se que Norbert Elias, com seus estudos sobre o papel destrutivo e perigoso para o tecido social como um todo dos sentimentos de ódio, de repulsa e de desejos de subjugar o outro, oferece também um caminho viável, como o fazem os três outros pensadores contemplados neste estudo, para entender o colonialismo interno e a sua manutenção ancorada tanto em elementos emocionais e irracionais quanto racionais.

Serão dados destaques aos traços psicossociais que estão presentes nos textos dos três pensadores latino-americanos. As sistematizações e análises de tais caracterizações imateriais e simbólicas contarão com a ajuda das proposições de Norbert Elias, as quais deram ênfases a determinados processos emocionais e as suas tessituras compostas de fios tão fortes que acabam por dar suporte à exploração, exclusão, subjugação, estigmatização, discriminação e difamação de grupos étnico-raciais inteiros.

A promoção do encontro entre estes três cientistas latino-americanos e Norbert Elias visa tanto assinalar que aqueles primeiros se ativeram a essa dimensão irracional (ou emocional) da vida social que mantém a eternização de sofrimentos individuais e coletivos extremos de pessoas e grupos étnicos e sociais amplíssimos quanto ressaltar a fecundidade desse encontro, uma vez que Elias decifrou os ódios e as repulsas que comandam atitudes perenizadoras de condições sociais dificílimas para as demandas e as aspirações de certos grupos que têm de levar em conta, nos seus duríssimos processos de resistência, um constructo mental dos setores preponderantes dispostos a anular, de diversas formas, as suas reivindicações de melhorias sociais e políticas.

 

Elementos racionais presentes no colonialismo interno: racionalidades, mas quais?

A América Latina tem sido pensada por estes três cientistas como um caso singular de colonialismo, que se desdobrou da condição externa para a interna. Sob vários aspectos, esse fenômeno tem sido, às vezes, estudado em razão de suas manifestações racionais e objetivas somente. Neste caso, o colonialismo interno é desvendado pelos índices de pobreza, de miserabilidade, de analfabetismo, de desigualdades sociais e políticas, de desemprego, de empregabilidade precária, de exclusão educacional, de participação ou exclusão política de alguns grupos, de acesso aos meios de subsistência e à terra, de pessoas e grupos não-alcançáveis pelos processos de construção democrática e de direitos.

Por que todos esses aspectos podem ser reveladores da existência de elementos racionais e objetivos que sustentam o colonialismo interno? Em virtude do fato de que há uma calculabilidade na manutenção de um processo de exclusão social, econômico e político. A pobreza, a miserabilidade, a desigualdade (social, política, educacional) resultam em concentração de renda, riqueza, poder e recursos em favor de uma parte da sociedade, a qual se empenha, consciente ou não, intencionalmente ou não, na manutenção desse colonialismo interno.

Durante séculos, isso tem sido recorrente. O apartheid social vigente nas grandes cidades, a precariedade das habitações, dos trabalhos e da vivência, de modo geral, são expressões objetivas do colonialismo interno, que é alimentado, ano após ano, década após década, século após século, pelas ações, procedimentos e práticas dos setores preponderantes.

Isso não significa que as sociedades latino-americanas são estáticas. Elas mudam, se alteram, se acoplam a lógicas sociais e econômicas externas, tais como os processos de globalização tecnológica e financeira, mas sem destruir o colonialismo interno. Conforme assinala Heráclio Bonilla (2012), os ordenamentos antigos e novos vão se mesclando e se justapondo sem, com isso, gerar algo distinto.

Esta forma de reflexão de Bonilla (2012) é fundamental para este estudo, uma vez que ela destaca a necessidade de compreender esse processo não só do ponto de vista da economia, da produção, da materialidade, mas também, no que tange ao tipo de inconsciente coletivo, de mentalidades, de subjetividades e de irracionalidades, que foram se formando, ao longo da história, e na reprodução contínua das condições de exploração e de subjugação de uma parte expressiva dos habitantes do continente latino-americano.

Um traço do colonialismo interno, que expressa uma racionalidade alheia à realidade latino-americana, é a sustentação de algumas abordagens do desenvolvimento e de quase todas da modernização assentadas em ideias de progresso, evolução e superação do atraso e das economias tradicionais e alternativas (Stavenhagen, 2011). Tais perspectivas têm, muitas vezes, passado ao largo de uma racionalidade histórica (Quijano, 1988; 2005), que pode ser entendida como uma intersubjetividade capaz de propiciar uma comunicação individual e coletiva acerca do caráter histórico do processo singular de organização social, econômico e político em curso na América Latina.

Agir com base em uma racionalidade histórica, segundo alerta Quijano, é ter consciência das características do capitalismo e do padrão de domínio e de exploração vigente num dado espaço social e temporal. Ao contrário, a inconsciência gera formas de intersubjetividades alheias a toda e qualquer singularidade.

Para Aníbal Quijano, o padrão de intersubjetividade não-dotado de racionalidade histórica tem sido possível por causa de uma dada conformação cultural e intelectual que não se atém às singularidades dos controles objetivos e subjetivos vigentes no continente latino-americano. “Todas estas operações intelectuais são claramente interdependentes. E não teriam podido ser cultivadas e desenvolvidas sem a colonialidade do poder” (Quijano, 2005, p.127).

A destruição do meio ambiente, o esgotamento dos recursos naturais, os ataques ao modo de vida dos povos originários e o desprezo dos seus saberes seculares, o enaltecimento de um modo de vida, de uma forma de consumo e de cultura replicadora de realidades estrangeiras, compõem uma racionalidade distorcida historicamente.

Práticas e procedimentos tecnocráticos e oligárquicos potencializam o colonialismo interno, visto estar a criar, continuadamente, as condições para que todo avanço econômico se faça priorizando-se alguns grupos em detrimento de outros. Institui-se, assim, uma mentalidade de inferiorização de alguns setores sociais, o que acaba sendo favorável a determinados estratos que se beneficiam econômica e politicamente. Aquilo que pode parecer aleatório, ou seja, a inferiorização, cumpre um papel impulsionador de interesses e privilégios.

Há, então, racionalidades no interior dos próprios processos irracionais, tais como aqueles que suscitam sensações de superioridades fatalistas, as quais têm esse caráter por pressupor que não há lugar, para alguns grupos sociais, num mundo socioeconômico competitivo. Conforme assinala Rodolfo Stavenhagen (1984), há uma convicção enraizada no colonialismo interno, segundo a qual o camponês, com seu modo de vida, de economia, de cultura, de valores e de crenças, está condenado ao perecimento.

Pablo Gonzáles Casanova (2007) demonstra que o Estado-nação na América Latina se organiza de modo a reiterar a opressão e o controle sobre determinados povos. Ele ajuda a legitimar a exploração, o esvaziamento das resistências (entendidas como a busca de autonomia e de protagonismo político) de grupos étnico-raciais inteiros e a sua recolonização continuada.

Desse modo, não se possibilita a entrada, no espaço público, de novos jogos de forças capazes de colocar em xeque o colonialismo interno. Para ele, o Estado-nação na América Latina reproduz, em velocidade vertiginosa, a lógica colonial. Todos os problemas de uma democracia que não se constitui, inteiramente, têm de ser buscados aí. As constantes ameaças de retrocessos, a potencialização das dificuldades de traçar caminhos duráveis e sustentáveis de democratização são, para ele, frutos do colonialismo interno (Casanova, 1993; 2015).

Tanto no campo econômico quanto no político, como destaca Casanova, o colonialismo interno, em muitos momentos, se articula ao colonialismo externo como uma forma de favorecer interesses de grupos diversos. Isso pode ser feito por meio de guerras civis e não-civis, invasões, imposições de formas de consumo, de valores e cultura, implantação de regimes ditatoriais, derrubadas de democracias, entre outras ações.

Desse modo, qualquer estudo sobre a sociedade civil organizada, sobre as políticas públicas, a construção democrática, os vícios políticos encrustados no Estado-nação, na América Latina, sem considerar o colonialismo intranacional, é falho. Pablo Gonzáles Casanova (2007) diz que não é somente falho, mas até absurdo, uma vez que os empecilhos não vêm somente do colonialismo externo.

Os golpes militares, a militarização, as ditaduras militares são ocorrências em que ficam evidenciadas as articulações entre as diversas modalidades de colonialismo. Os segmentos preponderantes oferecem seus apoios a tais alianças porque calculam que seus ganhos podem ser potencializados. Tais apoios são dotados de uma racionalidade altamente destrutiva das nações e seus segmentos mais empobrecidos e, inteiramente, excluídos por motivos étnicos e raciais.

Esses eventos exaltadores de ampla belicosidade e militarização têm-se demonstrado terríveis para as populações originárias, pois elas têm, muitas vezes, históricos de resistências que desagradam inteiramente os estratos dominantes e dirigentes (Casanova, 1998; 2007).

Nessa mesma linha de raciocínio, Orlando Fals Borda juntamente com Germán Campos e Eduardo Luna (2017) discutem longamente sobre a violência na Colômbia e registram o quanto os procedimentos violentos estavam institucionalizados para “la imposición de la voluntad de un grupo”. Nesse caso, a violência e a belicosidade cumprem “fines prácticos” (Fals Borda, 2017a, p.434), em que uma dada maquinaria estatal e política acaba por reiterar atitudes e procedimentos violentos altamente destrutivos. Há, na institucionalização da violência, uma calculabilidade racional favorecedora de interesses ancorados nos processos de colonialidade interna e externa.

A violência é tanto constituidora do colonialismo interno quanto potencializada por este último. Como exemplo, pode-se mencionar o modo como ela tem ajudado a arruinar, mais e mais, a vida dos camponeses e dos mais pobres, de modo geral. A colonialidade interna impõe amplos processos de exclusão, miserabilidade e violência para uma parte expressiva das populações de determinados segmentos étnicos e raciais. A violência, nas suas múltiplas dimensões, potencializa, significativamente, o colonialismo interno que, ao longo das décadas e séculos, vai produzindo “agrietamiento4 en las estructuras sociales”5 (Fals Borda, 2017a, p. 438).

Essas quebras, ou seccionamentos, vão agravando, sempre mais, a situação dos povos e dos segmentos mais vulneráveis, os quais são acometidos pela fome, pobreza, falta de meios e locais para trabalhar, falta de terras, falta de justiça e de direitos, entre outras situações de difícil solução. Um traço marcante do colonialismo interno é a impunidade, visto que não se toma conta dos feitos daqueles que perpetram violência contra uma parte da população.

Há, então, uma racionalidade perversa, já que se lucra com a destruição de grupos étnicos inteiros. Conforme assinalaram Pablo Gonzáles Casanova (2007) e Rodolfo Stavenhagen (1984; 2011), uma parte expressiva dos indígenas, na América Latina, têm vivenciado as piores experiências de violência material e imaterial.

O colonialismo externo e o interno aparecem na obra de Orlando Fals Borda enlaçados. Há, nas suas reproduções, uma lógica, que envolve múltiplas instituições, conhecimentos e saberes. A ciência eurocêntrica, predominante no continente, tem sido de grande ajuda aos colonialismos de modo geral. Essa sua posição não queria dizer dar as costas inteiramente ao que se produzia no Hemisfério Norte, significava, sim, tecer um conhecimento prático ancorado no contexto sócio-histórico latino-americano. “Em sua perspectiva, a prática assume um papel determinante associado aos contextos locais e regionais e aos saberes” (Bringel e Maldonado, 2016, p.400) produzidos nesses espaços territoriais.

As racionalidades, que compõem os colonialismos interno e externo, são muitas vezes escoradas, segundo Fals Borda, em tipos de saberes e conhecimentos alheios à realidade latino-americana. Desembaraçar todos os fios, que constituem os elementos racionais e irracionais do colonialismo interno, passa pela retirada do pedestal de muitos pressupostos científicos alheios a nossa realidade continental.

A luta contra toda forma de colonialismo e as racionalidades que acompanham suas práticas e ações, requer, então, a democratização do conhecimento e a geração de formas compartilhadas de saberes diversos. Haveria necessidade de gerar novas convergências que levassem em conta as muitas formas de racionalidades existentes no continente (Fernández, 2017).

 

Os aspectos irracionais ou emocionais do colonialismo interno: tecendo um diálogo com as discussões de Norbert Elias

Estes três pensadores têm alertado para as dificuldades de compreender os problemas das sociedades latino-americanas por meio de perspectivas etnocêntricas, egocêntricas e eurocêntricas. Eles estão em busca de uma ciência contextualizada e não-submissa ao que tem sido produzido no Hemisfério Norte. Fals Borda (2004) produziu, juntamente com o biólogo Luís Eduardo Mora-Osejo, um manifesto intitulado La superación del Eurocentrismo Enriquecimiento del saber sistémico y endógeno sobre nuestro contexto tropical. Nele é discutida a necessidade de que “os marcos de referência científicos, como obra de humanos, se inspirem e se fundamentem em contextos geográficos, culturais e históricos concretos” (Fals Borda e Mora-Osejo, 2004, p.7).

Tinham essa mesma posição, ainda que com algumas diferenças, Pablo Gonzáles Casanova e Rodolfo Stavenhagen. Eles também estavam empenhados em buscar uma ciência que levasse em conta um contexto étnico-racial singularizado por modos de vida, mentalidades, saberes, crenças, valores, formas de estar no mundo e de produzir a própria existência. Os dois destacam as consequências dos saberes descontextualizados não só no campo científico, mas também no campo técnico e de planejamentos de políticas de modo geral. Em tais políticas de Estado, por exemplo, muitos grupos étnicos, conforme diz Rodolfo Stavenhagen (1984), foram inteiramente esquecidos.

Quando não esquecidos, eram submetidos a integrações forçadas que tentavam apagar as suas identidades e seus modos de viver e pensar. Muitas teorias, segundo ele, foram manipuladas, no âmbito de políticas de Estado, para forçar processos de modernização assentados no apagamento das diversidades étnicas, raciais e culturais. Ocorrem, como consequência disso, diz Casanova (2007, p.2), processos contínuos e sempre renovados de reforçamentos “das estruturas coloniais internas”.

Esses elementos são mais do que suficientes para explicitar que os escritos destes três pensadores não serão postos à luz das análises elisianas, ou seja, numa relação de superioridade e inferioridade analítica e, muito menos, se está considerando a necessidade de complementar as suas reflexões com elementos extraídos da abordagem de Norbert Elias.

Demonstrar-se-á que muitos pontos das reflexões deste último, no concernente à importância dos elementos irracionais ou emocionais para a análise sociológica, estão em sintonia com as reflexões dos cientistas sociais selecionados para este estudo. Ao atribuir uma importância ímpar aos aspectos psicossociais do colonialismo interno, os autores latino-americanos destacam que não só de elementos racionais se sustenta essa forma de organização social.

A sua perenização, densidade e capacidade de reprodução estão também ligadas a uma mentalidade alicerçada em sentimentos de ódio, discriminação e preconceitos de toda a natureza. Elias demonstrou o quanto tais condições emocionais dos detentores do poder de decisão, muitas vezes apoiados por vastos estratos populacionais que compartilham os mesmos sentimentos de repulsa por determinados segmentos, são capazes de arrasar a vida de grupos étnicos, sociais ou raciais inteiros.

Os cientistas latino-americanos, destacados neste estudo, indicam que são muitos os fatores irracionais e emocionais que governam o modo de ser e agir dos setores preponderantes no continente. Tais fatores se expressam de muitas maneiras, de muitas formas. Entre eles, pode-se citar a desqualificação de grupos sociais e étnicos, que tem sido cultivada através dos tempos.

Os segmentos estabelecidos6 geram, seguidamente, suspeitas sobre os saberes, os conhecimentos, as crenças, as habilidades, as capacidades de entender e ler o mundo que possuem alguns segmentos étnico-raciais, para superar obstáculos e circunstâncias adversas. Alguns analistas podem dizer que tais suspeições são irrelevantes. Mas não o são. Manuel Bomfim (1993) e Alberto Guerreiro Ramos (1957; 1960), aquele no começo e este em meados do século XX, já chamavam a atenção para os efeitos negativos, para diversos agrupamentos sociais, desse tipo de mentalidade.

Norbert Elias (1998) destaca que tais suposições condenatórias e negativas que alguns grupos alimentam em relação a outros são, muitas vezes, passadas de geração a geração, produzindo, em uns, sentimentos de superioridade, de orgulho, de alta estima, de regozijo e, em outros, sensação de inferioridade, baixa estima e incapacidade. Tais sentimentos, profundamente internalizados, vão se perpetuando e gerando repulsas e condenações que potencializam violências e extermínios de povos inteiros. Na América Latina, Pablo Gonzáles Casanova (2007; 2015) e Rodolfo Stavenhagen (1984; 1998) demonstraram como isso tem ocorrido em relação aos indígenas do continente.

Ocorre dessa maneira porque “a situação econômica, política, social e cultural [desses grupos] é regulada e imposta, na maioria das vezes, pelo governo central” (Casanova, 2007, p.2). Não se deve desconsiderar que “os colonizados internos são raças distintas da que domina o governo nacional” (Casanova, 2007, p.2). Tais grupos étnico-raciais são tidos como inferiores. Isso acabou se institucionalizando na América Latina e gerou e perpetuou todo tipo de sentimento de repulsa e desqualificação pelos colonizados internamente. A ideia de “inferioridade congênita dessas populações” (Casanova, 2007, p.10) originárias é prova disso.

Orlando Fals Borda (2004; 2014) demonstra que esses sentimentos de superioridade em relação ao pertencer a um dado grupo, ao saber e conhecer determinadas coisas, operam para evitar tanto o reconhecimento de que existem tipos e formas distintas de conhecimento, de resistências e lutas políticas, quanto a descentralização do poder político. O sentimento de superioridade tem um fim prático: subjugar e submeter o outro (o diferente) a toda forma de arbitrariedade. Os elementos irracionais ou emocionais são, então, postos, a serviço da opressão, da exploração, da dominação. Como afirma Fals Borda, afastam, assim, a possibilidade “de participação horizontal sujeito-sujeito” (Fals Borda apud Fernández, 2017a, p. XV).

Isso ocorre mesmo que os indígenas, por exemplo, reivindiquem autonomia a partir de muitas formas de resistência. Não são poucas as lutas e as formas de resistência dos colonizados internos, ao longo da história (Casanova, 2007), mas, apesar disso, os interesses políticos e econômicos (as racionalidades7) e a condição emocional (as irracionalidades externalizadas por desqualificações e objeções de toda natureza) dos grupos preponderantes continuam, por séculos, dando lastro à ideia de que alguns grupos são incapazes e devem ser tutelados. Não obstante, o colonialismo interno “não é só dominação e exploração (...) é também resistência e libertação” (Casanova, 2007, p.8).

E, por falar em processos de lutas das diversas etnias, Pablo Gonzáles Casanova (2007) afirma que é prevalecente uma mentalidade, não só entre os setores dominantes, mas também entre muitos outros segmentos, inclusive de esquerda e progressistas de maneira geral, de desconfiança diante das lutas étnicas. A desconfiança, a objeção e o enjeitamento são estados emocionais e subjetivos que revelam que relações coloniais internas e o estado cognoscitivo delas derivadas têm estado presentes nas ações e nas práticas mesmo daqueles agrupamentos que se definem como defensores da democracia (Casanova, 1993).

Muitas vezes, o que se opera, de fato, com as propostas de construção democrática, ao acenar-se para a inclusão de etnias diversas, é uma mistificação de tais grupos. Casanova (2007, p.6) indaga: Quando governantes, políticos ou outras lideranças falam em criar uma “República dos Índios” o que eles querem dizer? Há aí uma mistificação das muitas nações indígenas, o índio mumificado e representado, premeditadamente, como homogêneo em sua vivência material e imaterial.

Quanto mais autoritários são os governos latino-americanos, mais “são eles inflexíveis com os colonizados internos” (Casanova, 2007, p.3). A pergunta que se deve fazer é a seguinte: Como os mandatários encontram apoio às suas ações e medidas brutais contra as populações mais vulneráveis e que, muitas vezes, fazem parte de grupos étnico-raciais subjugados?

Norbert Elias (1991; 1998) considera que não se pode entender a obtenção desse apoio levando em conta somente os elementos racionais (interesses econômicos, políticos e sociais diversos), pois os fatores emocionais estão fortemente envolvidos no modo como uma parte expressiva da população considera correta toda rigidez contra os indígenas, os negros, os migrantes, os pobres e os vulneráveis de modo geral. O apoio assenta-se tanto no sentimento de repulsa e suspeição quanto no de superioridade de alguns grupos sobre os demais. Os componentes emocionais dão suporte a essas suposições.

Note-se que, nas obras de Gonzáles Casanova, só é possível atingir os elementos emocionais por meio de uma análise pormenorizada de suas reflexões sobre os sistemas de dominação, de exploração e de exclusão. Mas não só, pois suas discussões sobre os processos de lutas e de resistências étnicas, bem como sobre as formas de repelimentos a elas, pelos segmentos preponderantes, trazem embutidas causas racionais e irracionais. Como assinala Elias: “(...) os grupos humanos parecem ter o estranho prazer de afirmar sua superioridade sobre os outros, sobretudo se ela foi obtida por meios violentos” (Elias, 1998, p.17).

É possível verificar as consequências sociais e políticas destrutivas “do prazer que as pessoas experimentam com a sensação de que o grupo a que pertencem é superior aos outros” (Elias, 1998, p.17). Esta averiguação só é possível se forem levados em conta “o aspecto emocional das relações entre grupos e os perigos a elas inerentes” (Elias, 1998, p.17).

A difamação, a estigmatização, a repulsa e o ódio, que são sentimentos irracionais, ou estados emocionais, em situação de extremos “desequilíbrios de poder” (Elias, 1998, p.18), como ocorre na América Latina, são altamente destrutivos, pois que inexiste a possibilidade de “os grupos difamados poderem retaliar, usando seus próprios termos estigmatizantes” (Elias, 1998, p.18). É por essa razão que se vai sedimentando a desqualificação de alguns grupos étnicos e raciais.

Quanto mais concentrados o poder, a renda e os recursos, mais esses sentimentos destrutivos tornam-se inextinguíveis. Tais estados emocionais cindem as sociedades latino-americanas, não deixando formar “uma identidade-nós” (Elias, 1998, p.18), que somente seria possível caso houvesse empatia entre os grupos constituidores de uma dada nação. Sem empatia, sobram os estados de subjugação e de opressão. Revelam-se, assim, “as raízes dos perigos que os grupos humanos constituem uns para os outros” (Elias,1998, p.19).

É interessante destacar que, na fala de Orlando Fals Borda, é visível que a Investigação-ação participante (IAP) é uma forma, tanto no campo teórico quanto no campo prático, de desmantelar um sentimento arraigado de preconceito e de desprezo que os segmentos dominantes, dirigentes e intermediários nutrem em relação aos demais setores sociais. De uma forma ou de outra, a pesquisa-ação, ao revelar saberes, conhecimentos e percepções dos camponeses e dos indígenas, desmascarava as pretensas superioridades dos grupos que preponderavam na cena econômica e política.

A pesquisa-ação pode produzir conhecimentos reveladores de que “frequentemente as virtudes que [algumas] coletividades se atribuem são dominadas por fantasias comunitárias” (Elias, 1998, p.20). Revelar isso tem um efeito político relevante, já que passam os setores desprezados a perceber que sua desqualificação e rejeição são também fantasiosas e manipuladoras. Dá-se, então, um passo político importante para a exacerbação da resistência e da luta étnica.

Através da IAP, procura-se esclarecer que as pretensões de superioridade, que aparecem sempre como vantagens dos setores preponderantes, foram construídas ao longo de um dado processo histórico. No caso das pesquisas de Fals Borda, a relevância da IAP está no fato dessas pesquisas darem vazão aos ethos formadores da visão de mundo dos indígenas e dos camponeses.

Conhecer esse corpus de valores é, para Fals Borda, Casanova e Stavenhagen, fundamental na luta contra o desprezo e a desqualificação dos povos originários. É essencial, ainda, compreender como uma forma de mando e de subjugação produziu uma condição psicossocial (gratificação narcisista, sentimento de superioridade em relação aos demais segmentos sociais bem como diversas formas de estigmatizações, difamações, repulsas e depreciações de segmentos populacionais inteiros) que tem sido reproduzida, emocionalmente, nos e pelos grupos preponderantes.

Construir um saber “sentipensante”8, que é resultado de uma episteme, ou de uma maneira de conhecer, derivada da vivência de segmentos populares e étnicos específicos, e que seja capaz de gerar uma práxis liberadora de energias criativas vindas do pensar e do sentir. Essa forma de saber era também uma maneira de transformar a realidade através do desvendamento dos elementos psicossociais envolvidos em processos de exclusão profundos. Se os elementos emocionais, conforme diz Elias (1998), têm papel importante no destino das pessoas, trazer à tona, por meio da IAP, as fantasias, os medos e ódios infundados, é uma forma de pavimentar caminhos rumo a mudanças sociais substantivas.

Os sentimentos de repulsa, de superioridade, de inferioridade, as discriminações e os preconceitos têm sido, comumente, orientadores das ações e dos procedimentos dos Estados na América Latina. Há uma direcionalidade do Estado potencializada por tais sentimentos que, no plano racional, favorece, tanto no plano político quanto no social, os mesmos setores preponderantes de sempre. A IAP, ao trazer à tona as fantasias, as mistificações e os sentimentos, revela as engrenagens dos processos de dominação. Daí a importância de conhecer os fatores irracionais ou emocionais que estão arraigados num dado contexto social.

As estratégias de manutenção do status quo ou de alteração dele podem estar eivadas de elementos emocionais. Os segmentos dominantes, por exemplo, podem construir muitas estratégias de permanência no poder assentadas na desqualificação e na repulsa de grupos inteiros. Alguns grupos, nem todos evidentemente, excluídos e vulneráveis podem ser levados a acreditar que não possuem qualidades, habilidades e capacidades transformadoras da realidade, crença que pode ter sido inculcada neles, por séculos a fio.

A IAP objetivava construir uma epistemologia capaz de desvendar as condutas, as atitudes, as mentalidades, os sentimentos, as percepções, as expectativas, as perspectivas e motivações de diversos grupos sociais. Ao mesmo tempo que ia desvendando os aspectos emocionais orientadores de estratégias e ações de manutenção e sustentação do status quo, essa forma de conhecimento denominada ação-participativa lidava com a cosmovisão dos grupos excluídos que vinham vivenciando toda forma de desprezo e desqualificação social.

O saber sentipensante ajuda a construir um mapa das possibilidades e dificuldades de mudanças sociais. Vão ficando evidentes tanto as inclinações de muitos grupos preponderantes para a falta de empatia com o sofrimento individual e coletivo quanto os impulsos para não aceitar as diferenças e as diversidades de saberes, conhecimentos e formas de ser e estar no mundo. São muitos os elementos emocionais desvendados por esse tipo de abordagem.

Richard Kilminster (1994: 11), ao apresentar a obra Teoria simbólica de Norbert Elias (1994a), destaca: “(...) o processo de reformação da nossa imagem dos seres humanos implica, obviamente, a superação de obstáculos emocionais. (...) [Isto é] o problema sociológico de saber até que ponto e sob que condições as pessoas são capazes de se ‘encarar a si próprias’”.

Essa é uma questão-chave, posto que os setores preponderantes, na América Latina, parecem ser portadores de óbices emocionais intransponíveis. Isso porque não conseguem mudar a imagem de superioridade inquestionável que possuem de si mesmos, bem como não mudam, de forma alguma, suas crenças numa suposta condição de inferioridade dos diversos grupos étnicos e raciais que são obrigados a lidar, cotidianamente, com a desqualificação social vinda dos setores mais abastados. A IAP buscava trazer à tona a importância dos conhecimentos, saberes e práticas dos setores populares. A valorização do modo destes segmentos entenderem as suas realidades era constituidora de condições para a construção de demandas sociais e políticas.

A exploração, a subjugação e a exclusão assentam-se não só em fatores racionais, mas também nos obstáculos emocionais que foram se antepondo a qualquer processo de geração das condições de inclusão dos diversos segmentos em um projeto de nação. Rodolfo Stavenhagen (1984) demonstra que há muitos aspectos racionais a serem desvendados nesse processo de sustentação, na América Latina, de políticas favorecedoras de alguns segmentos sociais.

Entre os fatores emocionais, pode-se mencionar o modo como algumas teorias foram manipuladas por governantes de forma a privilegiar determinados setores sociais e, ao mesmo tempo, massacrar outros. Os elementos racionais e emocionais andam juntos nessa peleja por afastar do horizonte qualquer possibilidade de vingar, no continente, um etnodesenvolvimento, por exemplo. Sentimentos de desqualificação, repulsa e desprezo pelo modo de produzir a vida econômica e política próprio dos povos originários ajudaram a formatar a ideia de que somente um desenvolvimento com bases tecnocráticas e excludentes poderia ser almejado e buscado.

Em tais condições, todo e qualquer modelo alternativo de economia, principalmente os ligados à economia agrícola, sempre foram refutados –como diz Stavenhagen (1984)– e considerados como sinônimo de atraso nas formas não só de produzir e de consumir, mas também de ser e estar no mundo. Ao atacar-se um tipo de agricultura tradicional oriundo dos povos originários, atacava-se, fortemente, uma forma de mentalidade e de constituição emocional (sentimento de apreço pelo meio ambiente, pela terra, pela água, pelos animais, pela floresta, pelas sementes e por um modo de produzir os bens essenciais).

O modo emocional de ser daqueles que se apegam a uma economia agrícola foi bombardeado como absolutamente inadequado. A forma racional dos camponeses indígenas de preservar a terra e todo o meio ambiente foi sempre considerada ultrapassada, inadequada e, portanto, superável. Tal racionalidade foi classificada, pelos setores preponderantes, governamentais ou não, como irracionalidade, já que só eram tidos com racionais aqueles modos de ser e pensar reforçadores de um modelo econômico sem qualquer apego à preservação dos recursos naturais9.

Formava-se, então, uma maneira de conceber como aceitável aquela economia que, não só racionalmente, mas também subjetivamente, se tentava, conforme assinala Stavenhagen (1984; 1998, 2011), anuviar, na América Latina, a importância da questão étnica. Do ponto de vista racional estava posta a ideia de que os povos originários eram improdutivos, não entendiam de aferição de lucros e de potencialização da produção. No referente aos elementos irracionais ou emocionais ganhava destaque a propagação de uma ideia formadora da convicção de que tais povos eram atrasados e desqualificados para o progresso. Portanto, teriam de ser repelidos e rechaçados em nome de uma outra realidade, a que estava se impondo. Não há dúvida de que isso forma, nos grupos diversos (não somente os dominantes e dirigentes, mas também os intermediários) interessados em forjar a ferro e fogo uma economia tida como moderna, uma mentalidade impulsionadora da convicção de que nada seria possível fazer pelos indígenas e pelos camponeses. Todos teriam de ser enquadrados a uma condição homogênea no que diz respeito a etnicidade.

Como Norbert Elias demonstra no livro Teoria simbólica (1994), é essencial compreender “a importância das emoções presentes na simbolização” (Kilminster, 1994: XIV). No caso do desenvolvimento econômico, apregoado por aqueles que consideravam os indígenas e seu modo de estar no mundo um problema irreversível para a modernização, é nítido que os símbolos de progresso e evolução estão plenos de fatores emocionais, tais como aqueles relacionados aos sentimentos de objeção, de desqualificação e de discriminação de determinados grupos sociais. Por que Elias é uma ajuda nesta reflexão? Porque ele consegue “evitar a tentação racionalista de considerar que os sistemas de símbolos fazem parte de um reino independente da cultura e são dotados de uma realidade autônoma” (Kilminster, 1994, p. XVII).

Forma-se, segundo Stavenhagen (1984; 1998; 2011), dentro de um dado ambiente sociocultural, um corpus de razões e sentimentos “calcado[s] na ideia de uma homogeneidade étnica de sua população. De qualquer forma, a maioria ou o grupo étnico dominante identifica-se com a nação, ou, ao contrário, identifica a nação consigo mesmo” (Stavenhagen, 1984, p.30). Em tal sistema de dominação, ou seja, etnocracia10, potencializam-se os sentimentos de ódio, repulsa, objeção e desqualificação de grupos étnicos diversos. “O conceito de nação tende a rejeitar a ideia de pluralismo étnico (...)” (Stavenhagen, 1984, p.31).

Ressalte-se que, “na América Latina, há muitas décadas, a assimilação ou incorporação das culturas indígenas tem sido objetivo declarado de políticas governamentais, como parte do processo de construção nacional” (Stavenhagen, 1984, p. 31). Tal processo de apagamento das diversidades, das diferenças étnicas tem deixado “raízes profundas nos hábitos sociais dos indivíduos” (Elias, 1998, p.16), de modo geral, e moldado ideias, ideários (nacionalismos racistas e valores de apagamento de heterogeneidades étnicas, por exemplo), mentalidades, subjetividades (disposições, expectativas e perspectivas) e sentimentos (de ódio, objeção, discriminação e rejeição), que justificam as mais bárbaras violências contra povos diversos, no continente.

A heterogeneidade multitemporal vigente na América Latina, da qual fala Nestor Canclini (1989), e a “justaposição de parcelas da realidade cuja racionalidade remete a temporalidades distintas” mencionadas por Heraclio Bonilla (2012) devem ser consideradas, segundo Stavenhagen (2011), para entender esse embate entre racionalidades e irracionalidades diversas que compõem a tessitura social no continente. Não somente do ponto de vista racional é possível explicar a perenização dos “hábitos autoritários” (Canclini, 1989) e dos regimes paternalistas e seus tentáculos, que alcançam inclusive os movimentos sociais (Canclini, 1989).

Há tortuosidade no modo como as relações de poder vão se fixando e se renovando. No que se refere aos elementos emocionais (os sentimentos tanto de alguns setores incluídos, que se consideram os únicos capazes de se inserir num mundo em súbitas modificações, quanto de grupos excluídos, que imaginam não haver lugar ou espaços para eles numa sociedade que os alijou de quaisquer participações econômicas ou políticas), observa-se que prevalecem sensações de desencontros em que, por um lado, os que pertencem aos segmentos preponderantes parecem não se identificar com a nação de que fazem parte e, por outro, os que vivem na condição de enjeitamentos e abandonos identificam-se com a nação, porém, nela não há lugar confortável para eles.

Esses desencontros acabam se manifestando inclusive nos processos que buscam instaurar políticas “de reconhecimento constitucional e jurídico” (Stavenhagen, 2011, p. 179). Neles também surgem elementos racionais e emocionais, que são visíveis quando se evidencia que alguns grupos –os indígenas, os negros, os extremamente pobres, entre outros– são tidos, ao mesmo tempo, como “sujeitos de direitos e objetos de políticas públicas” (Stavenhagen, 2011, p.179).

Essas condições revelam as raízes profundas de um modo de conceber alguns agrupamentos, por parte de governantes, técnicos e setores preponderantes de modo geral, como destituídos da capacidade de serem algo mais do que objeto de algumas políticas. Há uma condição emocional de boa parte dos setores mais abastados, na América Latina, que não suportam sequer o fato dos indígenas, dos negros, dos mais pobres serem sujeitos de direitos; imagine-se, então, o tamanho de sua repulsa ao fato de que tais grupos deveriam ser sujeitos de políticas públicas.

Os ordenamentos velhos e novos vão se mesclando e deixando, segundo Bonilla, resquícios, no “inconsciente coletivo”, de racionalidades e formas incongruentes de ler e entender o mundo (Bonilla, 2012, p.56). Isso impacta, obviamente, os elementos emocionais constitutivos tanto de perspectivas e expectativas, segundo as quais os caminhos sociais e políticos, que levam a algumas melhorias sociais e econômicas, devem contemplar somente os interesses de alguns segmentos que podem se beneficiar de um mundo em abrupta mudança, quanto de recalcamentos de desejos, de vários grupos, de encontrar um lugar na vida econômica e política de um dado país a que pertencem. Nesse caso, os deslocamentos forçados de alguns grupos, muito frequentes na América Latina, levam os demais, de um mesmo agrupamento social, étnico, racial, que permanecem, a pensarem na impossibilidade de soluções para os problemas sociais que os atingem em dados espaços socio-geográficos. Isso produz, também, do ponto de vista emocional, efeitos expressivos nesses segmentos que vivenciam situações de exclusões profundas.

 

Conclusões

Dar destaques aos efeitos e consequências dos aspectos racionais e irracionais (emocionais) do colonialismo interno objetivou demonstrar como eles estão entrelaçados e profundamente arraigados, num amplo processo de constituição de sociabilidades excludentes na América Latina. Por meio de subterfúgios comunicacionais diversos, os grupos sociais preponderantes têm indicado que os fatores desqualificadores e potencializadores de sentimentos de repulsa, ódio, objeção e desprezo passam, décadas após décadas, de geração a geração. Há imperativos desabonadores, em relação a vários grupos étnicos e raciais, oriundos das representações negativas que vão passando das esferas emocionais para as esferas racionais. Podem-se citar, como exemplo, os preconceitos e as discriminações presentes no campo do trabalho, da política e da vida social como um todo.

Ao preterir-se uma pessoa de um dado grupo étnico-racial, quando da escolha para o exercício de uma atividade, imaginando-se que ela não seria produtiva o suficiente nem traria a lucratividade pretendida, por causa de suas características étnicas ou raciais, tem-se aí a soma dos fatores racionais e emocionais definidores do colonialismo interno, assentado na tendência para a subjugação de amplos segmentos sociais. Pagar salários menores para indígenas ou negros também demonstra que os fatores emocionais (sentimentos desqualificadores ou invalidadores sociais) e os racionais caminham juntos11. Um exame acurado das condições emocionais é, então, fundamental para decifrar os caminhos e descaminhos pelos quais têm passado os países da América Latina.

A dinâmica colonial interna assenta-se numa engrenagem reprodutora de uma visão fatalista que considera como irremediável a situação de grupos étnicos inteiros, como é o caso dos indígenas na América Latina12. Há uma lógica mantenedora do colonialismo interno que opera racionalmente com esses fatalismos, pois ele favorece determinados interesses econômicos e políticos no interior de uma forma de capitalismo que impõe servidão e exclusão política extremas.

Posições de poder são consolidadas no bojo de tais condições sociais. Por isso, é possível averiguar uma calculabilidade nas práticas e ações que servem de esteio ao colonialismo interno, o que é muito bem demonstrado por Rodolfo Stavenhagen, no texto Etnodesenvolvimento (1984). É possível observar como os fatores racionais e irracionais (emocionais) vão se consubstanciando e formando obstáculos à supressão das exclusões profundas provocadas por essa forma de colonialismo interno.

Pablo Gonzáles Casanova (2007) aponta os efeitos disso na tentativa de apagamento das lutas de resistência, que sempre ocorreram na América Latina. Procede-se frequentemente e de maneira racional com o fito de ignorar os grupos indígenas e suas lutas. A ideia de passividade, de apatia e ignorância, de inabilidade política e ingenuidade tem sido amplamente difundida com o objetivo de negar qualquer importância às ações políticas de nações indígenas inteiras. Assim, numa espécie de calculabilidade promotora de determinados interesses adotam-se práticas, ações e procedimentos e ativam-se mentalidades que ajudam a banir do espaço público qualquer energia coletiva de determinados grupos étnicos.

Essa análise não tomou o colonialismo interno como um processo formado somente por elementos irracionais ou emocionais. Assinalaram-se, na parte anterior, os fatores racionais, tais como a busca desenfreada por lucro, ações para expansão econômica a qualquer custo, políticas deliberadas de esgotamento dos recursos naturais, para atender interesses de alguns grupos, exploração extrema dos trabalhadores mais pobres, brutalidades sustentadoras de trabalho análogo à condição de escravo, manutenção de privilégios, na medida em que se investe em políticas de afastamento de setores sociais e grupos étnico-raciais dos centros de decisão e dos processos participativos, monopolização de cargos públicos por alguns grupos sociais e procedimentos que visam dar um direcionamento ao Estado, para que os seus operadores implementem e sustentem políticas de atendimento de alguns interesses em detrimento de muitos outros.

Orlando Fals Borda deixa evidenciado, em suas obras, que o desvendamento dos elementos componentes dos colonialismos externo e interno passa pela leitura rigorosa dos contextos de tais práticas coloniais, que são produzidas e reproduzidas. Os contextos específicos das ações e procedimentos (racionais ou emocionais) fornecem lastro para compreender como as normas, as instituições, a produção econômica, os valores, o conhecimento, os símbolos, a cultura política e a vida política reproduzem, no plano material e imaterial, os colonialismos.

Os contextos socioeconômicos, sócio-históricos, sociopolíticos, socio-geográficos, uma vez decifrados, levam a conhecer as muitas amarras postas pelo colonialismo interno. Isso foi muito trabalhado pelos três cientistas apresentados neste estudo. Todavia os contextos de interação social são constituídos não somente de elementos materiais e racionais, mas também de constructos imateriais, irracionais ou emocionais.

Repulsas e suspeitas vêm se verificando há séculos, e arrasando formas de vida e de culturas. E isto tudo sem dar qualquer sinal de que estaria no horizonte, para utilizar uma expressão de Norbert Elias, a constituição de autocontenção e autocontrole desses sentimentos “de gratificação narcisista” (Elias, 1998: 18) que os setores preponderantes possuem acerca de si mesmos e de desqualificação que têm acerca dos outros. Tais atitudes jogam, quase sempre na América Latina, com formas de difamação e de diminuição da importância dos conhecimentos, saberes e estratégias de lutas dos povos originários, por exemplo.

 

 

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1 Partes distintas deste artigo foram apresentadas e registradas nas memórias do XVIII Simpósio Internacional Processos Civilizadores sediado em Bogotá (Colômbia), ocorrido em 2020 e da XIV Jornada de Sociologia da Universidade de Buenos Aires de 2021.

2 Doctora en Sociología por la Universidad de San Pablo, Maestra en Ciencias Sociales por la Universidad Católica de San Pablo, docente e investigadora del Departamento de Ciencias Sociales de la Universidad Estadual de Londrina, Brasil, sus áreas de interés son la sociología brasilera, sociología política y teoría sociológica, y sus temas de investigación se relacionan con: democracia, autoritarismos y dictaduras, desigualdades, Estado, transformaciones sociales y gobierno, organismos internacionales y desarrollo humano; dirección electrónica: mjderezende@gmail.com; ORCID: 0000-0002-3426-910X

3 Esta expressão, “modo de estar no mundo” é extraída de um escrito de Armando Bartra (2010, p. 113).

4  Esta expressão pode ser traduzida como estruturas sociais cindidas. Orlando Fals Borda (2014) destaca que, na América Latina, são cindidas as estruturas políticas, econômicas, ideológicas e culturais.

5  “Orlando Fals Borda se articula por meio da conjunção de sua trajetória como intelectual crítico sentipensante e de sua contumaz reação ao colonialismo político e epistemológico, que o levam não somente a defender uma sociologia de libertação e uma ciência social desapegada do euro-norte-centrismo dominante, mas também a propor e protagonizar um projeto ético-político de sociedade participativa, baseada nos valores socioculturais fundantes das populações originárias da América Latina” (Mota Neto e Streck, 2019, p. 216).

6 Utiliza-se aqui a denominação estabelecido, com inspiração em Norbert Elias, para designar aqueles segmentos que têm acesso às disputas pelo poder e podem, assim, participar da contenda.

7  Os muitos interesses econômicos e políticos, mantenedores do colonialismo interno e externo (Casanova, 2015), podem ser facilmente verificáveis pelo modo como se têm combinado na América Latina, desde muito tempo, “o trabalho escravo, o trabalho servil e o trabalho assalariado” (Casanova, 2007, p.8).

8 Expressão utilizada por Orlando Fals Borda (1985; 2014; 2015) para caracterizar uma forma de construção do conhecimento enraizada no contexto de vida e luta dos camponeses e indígenas. Tal saber, que não separa razão e emoção, deve servir para “obter resultados úteis e confiáveis no melhoramento de situações coletivas, sobretudo para as classes populares” (Fals Borda apud Fernández, 2017, p. XXX). Essa perspectiva tem muita semelhança com as propostas de Paulo Freire de construção do saber e do conhecimento. Sobre isto, ver: Neto e Streck (2019).

9 Rodolfo Stavenhagen (1984, p. 22) diz que nem o capitalismo nem o socialismo estiveram interessados na economia e na cultura camponesas. Os dois modelos de produção estão ancorados no pressuposto de que o camponês e sua economia e cultura vão desaparecer inteiramente.

10 Termo utilizado por R. Stavenhagen (1984, p.30) com base em Theodor Vetter (1853-1922).

11 “Em 2019 (...) a população branca recebeu, em média, 56.6% a mais que a população negra. Os números também mostram que as pessoas negras ainda ocupam postos de trabalho mais precários [serviços braçais e domésticos] (...) [e] são minorias em áreas que exigem maior qualificação” (Hallal, 2020, p.3).

12 As obras de Florestan Fernandes (1978; 1988) sobre o negro e o racismo oferecem elementos que podem ser caracterizados nos seus aspectos racionais (exploração, subjugação, interesses, materialidades) e irracionais (sentimentos de ódios reprimidos ou não, repulsas, objeções, desqualificações). O diálogo de Florestan Fernandes com as discussões latino-americanas acerca do colonialismo interno pode ser encontrado em: (Costa, 2011).